O CEO do DeepMind diz que a IA será um trampolim para carreiras valiosas, mas ignora os impactos imediatos do desemprego e o risco de exclusão de milhões. Quem estará pronto para esse novo mundo?
Demis Hassabis, CEO do DeepMind, braço de inteligência artificial do Google, afirmou recentemente durante o evento SXSW em Londres que a IA criará "novas profissões muito valiosas" nos próximos 5 a 10 anos. Seu discurso, ainda que otimista, traz lacunas preocupantes quando confrontado com os dados atuais sobre o mercado de trabalho e o avanço da automação.
Segundo Hassabis, essa nova fase será um "começo poderoso para quem já tem experiência em tecnologia". A fala, no entanto, parece excluir grande parte da população que ainda não teve oportunidade de se qualificar ou sequer compreender as dinâmicas básicas da IA. Ao mencionar a importância das disciplinas STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática), ele reforça que o acesso ao futuro passa pelo domínio técnico — mas essa porta não está igualmente aberta para todos.
Enquanto isso, empresas como Google, Meta e Microsoft já usam IA para substituir tarefas antes humanas — e não apenas nas áreas operacionais. Um quarto dos postos de trabalho no mundo já está diretamente ameaçado pela IA generativa, segundo um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Se por um lado os entusiastas da tecnologia falam em adaptação, por outro, milhões de trabalhadores se veem diante da incerteza: como se reinventar num mundo onde o tempo de aprendizado é menor que o tempo de obsolescência?
A IA está moldando uma nova elite de especialistas que dominam ferramentas como GPT, Gemini e copilotos de código, mas pouco se fala em como o coletivo será integrado — ou compensado — nessa nova engrenagem. Hassabis recomenda que todos experimentem e aprendam a usar as ferramentas de IA de maneira criativa e não convencional. Mas até mesmo esse conselho soa distante para realidades onde o acesso à internet ou à educação básica ainda é precário.
A verdade é que ainda não sabemos quais serão exatamente essas "novas profissões muito valiosas". Analistas preveem cargos como "designer de prompts", "treinador de IA", "eticista digital", "curador de dados" e outros que ainda nem existem — e cuja demanda dependerá da velocidade da inovação e da capacidade da sociedade em absorvê-las.
A máxima popular “não dê o peixe, ensine a pescar” sempre foi usada como símbolo de autonomia e progresso. Mas na era da inteligência artificial, essa lógica entra em colapso. De que adianta ensinar a pescar se milhões não têm acesso à vara, à água ou sequer sabem onde está o peixe? A IA está criando um novo “oceano de oportunidades” — mas com redes cada vez mais sofisticadas, operadas por poucos. Se não houver uma mudança estrutural na inclusão digital, no acesso à educação de qualidade e na distribuição do conhecimento, estaremos apenas assistindo ao nascimento de uma nova elite tecnológica enquanto o restante fica à margem.
Seja como for, uma coisa é certa: a inteligência artificial já não é mais o futuro, é o presente, e ignorá-la pode ser tão perigoso quanto abraçá-la sem crítica.
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No próximo artigo, vamos explorar quais são as novas profissões emergentes impulsionadas pela IA, como se preparar para elas e o que o Brasil está (ou não está) fazendo para garantir que todos tenham espaço nesse novo mercado.