IMPACTOS INCLUEM DEPRESSÃO, DOENÇAS E GRAVIDEZES FORA DO PLANEJADO
Um novo relatório da Organização Mundial da Saúde, produzido em parceria com agências das Nações Unidas, traz uma revelação inquietante: 840 milhões de mulheres no mundo já sofreram violência de parceiros íntimos ou assédio sexual. O equivalente a uma em cada três mulheres vivas. Trata-se de uma das mais persistentes crises de direitos humanos — e os números praticamente não mudaram em vinte anos.
Nos últimos 12 meses, 316 milhões de mulheres com mais de 15 anos foram vítimas de violência física ou sexual cometida por seus parceiros. A redução global anual é de apenas 0,2%, índice que evidencia a paralisia das políticas públicas e a falta de prioridade no combate ao problema.
O estudo também revela que 263 milhões de mulheres sofreram violência sexual de pessoas que não eram seus parceiros, reforçando que o número real é ainda maior, já que muitas não denunciam por medo ou estigma.
Para o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, a violência contra a mulher é “uma das injustiças mais antigas e amplamente ignoradas da humanidade”. Ele lembra que nenhuma sociedade pode considerar-se justa ou segura enquanto metade de sua população vive com medo.
As consequências ultrapassam o trauma físico: incluem gravidezes indesejadas, maior probabilidade de contrair infecções sexualmente transmissíveis e quadros graves de ansiedade e depressão.
O relatório mostra ainda que a violência começa cedo. Mais de 12,5 milhões de meninas de 15 a 19 anos sofreram violência física e/ou sexual de parceiros íntimos no último ano. Segundo o UNICEF, muitas vivem sua primeira experiência de agressão ainda na adolescência — e milhões de crianças crescem assistindo às suas mães serem humilhadas, empurradas ou espancadas.
Embora o fenômeno aconteça em todos os países, mulheres em regiões pobres, em áreas de conflito ou mais afetadas pelas mudanças climáticas enfrentam riscos muito maiores. E o cenário piora: o financiamento internacional para prevenção caiu, enquanto novas crises — tecnológicas, climáticas, sociais — multiplicam os riscos.
Para Diene Keita, do Fundo de População das Nações Unidas, o ciclo de violência se agrava quando associado à pobreza, deficiência e exclusão social. É uma espiral que se transmite entre gerações, atingindo famílias e comunidades inteiras.
O relatório analisou dados de 2000 a 2023 e foi produzido pela OMS, pelo Programa Especial de Pesquisa em Reprodução Humana e pelo Grupo de Trabalho Interagências da ONU para Violência contra as Mulheres.
Os números são devastadores, mas o silêncio social é ainda mais. A violência contra mulheres não é “caso de polícia”, não é “caso de família” e nunca deve ser tratada como estatística neutra. É um problema de saúde pública, de educação, de justiça e de dignidade humana.
O dado mais alarmante não é o número absoluto, e sim a estagnação: vinte anos sem melhora real. Isso mostra que governos, instituições e sociedades fracassam quando não colocam o tema no centro das prioridades. Proteger mulheres deveria estar na mesma escala de urgência que combater epidemias ou crises econômicas.
A prevenção tem caminhos já comprovados — educação de meninas e meninos desde cedo, políticas eficientes de acolhimento, proteção financeira às vítimas, acesso rápido a serviços de saúde e justiça. Mas sem financiamento e sem pressão social, continua tudo no papel.
A pergunta que fica: quantas gerações ainda vão viver sob os mesmos números? Enquanto a violência não se tornar intolerável para toda a sociedade, será sempre tolerada por quem deveria combatê-la.